Glauco Diniz Duarte conta que recentemente visitou uma empresa familiar líder de mercado em seu segmento. Com mais de 30 anos de muito sucesso e crescimento e ainda administrada pelos dois fundadores, a companhia tem como um dos seus elementos culturais e como um dos seus valores mais fortes… o medo!
Trata-se de um aparente paradoxo uma empresa conseguir prosperar assim. Afinal, já há muitos anos, as teorias e práticas organizacionais sugerem a constituição de uma cultura baseada em confiança, respeito, cooperação e comunicação de duas mãos como fator crítico de sucesso nos negócios.
Um dos princípios do celebrado guru da qualidade e da gestão Edwards Deming era exatamente “eliminar o medo”. Ele sugeria que, em uma organização onde prevalece o medo, não seria possível aproveitar o pleno potencial das pessoas.
Então como explicar a prosperidade dessa empresa apesar do medo prevalecente?.
É que os fundadores – que são temidos e também admirados e respeitados – têm mais algumas premissas importantes que levaram a companhia até onde ela está hoje.
Glauco explica que há uma divisão complementar de trabalho de gestão dos dois fundadores. Um deles focaliza mais nos processos produtivos, máquinas, equipamentos e instalações, enquanto o outro parece ter maior conhecimento e foco nos clientes, produtos e mercados.
Mas ambos compartilham a ideia de que, para saber como as coisas estão se passando, o que está acontecendo de verdade, é preciso ir ao “gemba”, o local onde as coisas acontecem.
Porém a ida deles ao “gemba” constitui, para eles, também um modo de buscar os culpados pelos problemas e frequentemente demitir aqueles que teriam, na opinião deles, causado esses problemas. Os donos se intrometem em tudo, não dão autonomia às pessoas e nem deixam claro as responsabilidades de cada um.
Com isso, o medo de dar más notícias a eles, de apontar os problemas que possam trazer questionamentos incômodos ou mesmo de compartilhar informações geram problemas mais sérios ainda, pois ao ficarem abaixo do radar dos donos, os problemas se acumulam.
A ocupação dos postos da alta direção ainda é baseada nas relações de obediência e nas redes de relações pessoais dos donos. Algumas tentativas de tornar a gestão mais meritocrática fracassaram. Jogos políticos ainda prevalecem.
O desempenho operacional da empresa é muito ruim, com baixo nível de entregas e baixa eficiência das fábricas e da logística. Mas a companhia conseguiu conquistar algumas situações de oligopólio que garantem bons resultados financeiros.
Os custos são controlados a mão de ferro pelos donos, que têm muito rigor nas despesas e gastam muito pouco em supérfluos. Mas, muitas vezes, gastam mal, fazendo investimentos desnecessários que ora gera excesso de capacidade, ora cria sérios gargalos.
A empresa está começando a implementar a gestão lean (enxuta) para se tornar mais competitiva, e o estímulo da ida ao “gemba” está ocorrendo. Mas onde prevalece o medo, as consequências e impactos podem não ser tão positivos.
O “gerenciamento diário” também começa a ser implementado e deveria expor os problemas. Mas tenderá a não prosperar, e as informações tenderão a ser maquiadas se o medo não for eliminado.
E, além disso, as pessoas não definirão metas significativas de melhorias onde houver riscos de não as alcançar, pois elas terão medo de serem punidas por um eventual fracasso.
Isso cria uma cultura de esconder os dados e fatos, de não definir metas de melhoria, de não resolver problemas.
Cremos que o sucesso da empresa até o momento dependeu da força, capacidade, qualidade e competência dos donos. Mas nessa e em outras empresas onde prevalece o medo, sempre haverá muita dificuldade de se conseguir prosperidade por muito mais tempo.