GLAUCO DINIZ DUARTE Bosch diz ter solução para salvar os motores diesel. Mas precisa provar
Entre as fornecedoras de sistemas elétricos e eletrônicos, poucas empresas no mundo podem dizer que têm uma reputação como a da Bosch. Considerada uma fabricante de componentes confiabilíssimos, no extremo oposto da britânica Lucas, ela viu sua imagem ser muito arranhada com o software enganador de emissões usado pelo grupo Volkswagen no escândalo do Dieselgate. Se você não se lembra da mecânica da coisa, o software identificava se o carro era submetido a testes, pelos parâmetros usados, e adotava um mapeamento de motor que garantia emissões de óxidos de nitrogênio, os NOx, abaixo dos limites legais. E o abandonava em uso comum, emitindo muito mais do que o permitido. Mas a Bosch anunciou nesta quarta (25) algo que resolveria de vez a questão. Usando os mesmíssimos componentes de que um motor diesel já dispõe atualmente. Uma verdadeira “eureca”, aparentemente.
Segundo a fornecedora, a mágica está em uma combinação de tecnologia avançada de injeção de combustível (o common-rail, nos motores diesel), um novo sistema de gerenciamento dos fluxo de ar e um sistema inteligente de gerenciamento de temperatura. O grande problema das emissões de NOx é a temperatura dos gases de escape. Se ela é muito baixa, abaixo de 200°C, o SCR (Selective Catalytic Reduction, ou Redução Catalítica Seletiva) não atua como deveria. É nessas situações, especialmente em tráfego urbano, que os motores diesel emitem mais NOx. É aí que entra o gerenciamento de temperatura inteligente da Bosch. Ele manteria a temperatura dos gases sempre acima dos 200ºC. Em ciclos de testes ou em uso comum, que a empresa convidou jornalistas a testar e avaliar na última terça (24).
O sistema de gerenciamento do fluxo de ar ataca uma das outras pontas do problema: a direção esportiva de veículos diesel, situação em que as emissões de NOx também tendem a aumentar. O segredo foi garantir que, sob condução esportiva, o fluxo de ar para o motor diesel também fosse bastante dinâmico, assim como o sistema de recirculação de ar. Isso foi conseguido com uma recalibração do turbocompressor para condições reais de direção. A Bosch não detalhou como a injeção de combustível entra nessa equação. Provavelmente porque esse é o pulo do gato da nova tecnologia.
Para os consumidores, o que importa é que a Bosch teria conseguido reduzir drasticamente as emissões de NOx de motores diesel sem mexer em consumo ou em desempenho. A empresa alega que os modelos equipados com a nova tecnologia seriam capazes de emitir apenas 13 mg/km de NOx. A meta, para 2020, é que os veículos emitam apenas 120 mg/km, o que mostra o tamanho do progresso que a fornecedora teria conseguido. Com a nova tecnologia, os motores diesel não seriam capazes apenas de cumprir as metas atuais ou as que provocaram o Dieselgate em primeiro lugar. Eles atenderiam até as metas que estarão em vigor em 2 anos. Mesmo nas piores situações de emissões, os motores que já adotarem a nova tecnologia emitiriam apenas 40 mg/km, ou 1/3 da meta para 2020. Algo extraordinário. Ou bom demais para ser verdade, especialmente considerando que foram apenas ajustes, não algo inteiramente novo, como a tecnologia ACCT. Falando nela, se a Bosch comprovar tudo o que alega, a ACCT se tornará desde já obsoleta.
Não dá para imaginar que a Bosch, nessa altura do campeonato, pudesse alegar algo que afeta tão diretamente sua reputação. Especialmente depois de seu CEO, Volkmar Denner, fazer o anúncio e divulgar, na mesma ocasião, as novas diretrizes de desenvolvimento de produtos pela empresa. Primeiro, a incorporação de funções que detectem ciclos de teste fica estritamente proibida (era o que o software enganador fazia). Segundo, os produtos Bosch não podem ser otimizados para situações de teste. Por fim, o uso cotidiano de produtos Bosch deve resguardar a vida humana, preservar recursos e proteger o ambiente tanto quanto possível. “Além disso, o princípio da legalidade e nosso etos ‘Invented for life’ (inventado para a vida) guiam nossas ações. Se ficarmos em dúvida, os valores da Bosch precedem os desejos de nossos consumidores”, disse Denner. Tudo uma resposta ao Dieselgate, mas talvez não uma resposta suficiente.
Em vez de chamar jornalistas, a Bosch teria feito muito melhor em convocar os pesquisadores da Universidade de West Virginia, Daniel Carder e Arvind Thiruvengadam, para avaliar a nova tecnologia. Afinal, foram eles que descobriram o Dieselgate. Não haveria fonte mais confiável para certificar a “salvação” do motor diesel. Não só dos que ainda podem ser vendidos, mas também dos usados por milhares de carros que a Volkswagen teve de recomprar por conta do escândalo. Se a solução era tão simples, e usa os componentes atuais, por que a Volkswagen não conseguiu aplicá-la com um “recall” quando o problema foi descoberto? Porque foi preciso recorrer ao software enganador? Pode realmente ter sido um clique genial de algum dos engenheiros da Bosch, mas é algo difícil de acreditar.
Além de supostamente ter salvado os motores diesel, a Bosch pede agora que não se considere mais apenas as emissões de poluentes no automóvel, mas em toda a cadeia, do poço de petróleo à roda, o “well to wheel”, como se diz em inglês. O que, segundo a marca, mostraria o quanto elétricos também podem ser poluentes dependendo da matriz de geração de energia elétrica. E o quanto o diesel pode contribuir por emitir menos gás carbônico, o famoso CO2, em relação aos motores a gasolina. Um pedido sensato, mas que mostra o quanto a indústria automobilística já estabelecida teme a revolução prometida pelos elétricos.
Atualização
No final das contas, a Bosch conseguiu mesmo a redução de óxidos de nitrogênio, mas não de um jeito tão simples quanto o relato inicial permitia supor.